Memória de minhas putas tristes
Quando o amor chega (bem) tarde e muda tudo.
Sabe aquele livro curtinho que a gente lê em um fim de semana, mas que fica ecoando por dias? Memória de minhas putas tristes, do Gabriel García Márquez, é exatamente assim. Último romance do autor colombiano (sim, o mesmo de Cem Anos de Solidão), essa história é, ao mesmo tempo, estranha, poética e cheia de sentimento. Aqui, Márquez troca o realismo mágico por um mergulho intimista na vida de um senhor de 90 anos que, prestes a comemorar seu aniversário, resolve se dar um presente um tanto quanto controverso: uma noite com uma jovem virgem.
A ideia inicial é desconcertante — e não tem como não torcer o nariz no começo. Mas o que poderia ser só mais uma história polêmica se transforma em algo bem diferente. O protagonista, um velho solitário e rabugento, que vive entre seus livros e suas memórias de prostitutas passadas. Finalmente acaba descobrindo algo que nunca tinha vivido: o amor. Só que o curioso é que esse amor não vem de um encontro carnal, e sim de uma série de noites em que ele apenas observa a menina dormir. É meio surreal, meio poético… e muito reflexivo.

Com estilo inconfundível
O jeito como Márquez escreve é puro encanto. Ele consegue falar sobre temas pesados com uma leveza quase mágica, mesmo sem recorrer às fantasias típicas de outros livros dele. A narrativa é lenta, carregada de lembranças, e o foco está mais nos pensamentos e transformações do velho do que na ação em si. A menina, que ele apelida de Delgadina, nem chega a ter voz na história — e isso, ao mesmo tempo que incomoda, também reforça a solidão do protagonista.
Apesar de poucos personagens, quem aparece tem sua função muito clara. Rosa Cabarcas, a cafetina que arranja o encontro, por exemplo, é uma figura que mistura cinismo e cuidado, meio mãe, meio cúmplice. E a cidade onde tudo acontece — embora não tenha nome — tem aquele clima abafado, parado no tempo, que é bem a cara do estilo do Márquez. Dá quase pra sentir o calor e o silêncio das ruas.
Claro que tem quem critique o enredo por motivos óbvios — e com razão. Mas o livro não tenta romantizar a situação. Pelo contrário, ele usa esse ponto de partida delicado pra refletir sobre coisas bem mais profundas: o medo da morte, a necessidade de afeto, o peso do tempo. O sexo que nunca acontece vira um símbolo da transformação interna do velho, que finalmente se permite sentir algo verdadeiro.
No fim das contas, Memória de minhas putas tristes é um livro sobre recomeços — mesmo quando parece tarde demais pra isso. É sobre redescobrir o mundo aos 90 anos, sobre se deixar tocar por alguém (literal ou metaforicamente), e sobre como o amor pode chegar de formas totalmente inesperadas. Uma leitura rápida, mas que mexe com a gente. Vale muito a pena!
” Não tem como não torcer o nariz no começo” – exatamente. Esse livro, pra mim, está entre os melhores dele.
Adorei a resenha!
Oi, Cláudia. Obrigada, que bom que gostou. Também amo esse livro.